quarta-feira, 3 de junho de 2009

A LÓGICA DA ESCADA


As escadas parecem possuir uma lógica intrínseca, quase que auto-explicativa. Um degrau sucede outro. Aparentemente nada mais lógico. E é precisamente essa "lógica" que , não raro, é transportada para o campo das análises a respeito do uso de drogas. Segundo essa tese os usuários começariam sua trajetória pelo mundo das drogas utilizando substâncias consideradas mais leves num primeiro momento. Com o passar do tempo seus organismos não mais se satisfariam, passando a requisitar o uso de drogas mais potentes. E assim sucessivamente. Simples, não ? Um degrau após o outro. Lógico. Mas será mesmo assim ? Dois argumentos serão utilizados para contrapor a tese da escada: as diferenças pessoais e sua interferência na escolha das drogas e as inúmeras possibilidades de efeitos ofertados por diferentes substâncias.
Muitas vêzes caímos na tentação ou ,melhor ainda, na armadilha de construírmos idéias, de estabelecermos conceitos a partir de noções buscadas no dito senso comum - que alguém já definiu como uma forma rasteira, superficial mesmo, de pensar; uma espécie de preguiça intelectual - e que nos deixa náufragos de conclusões mais sustentáveis e mais próximos à construções de mitos. E parece ser o caso.
Num primeiro momento o campo é delimitado da seguinte forma: drogas ilícitas. Bueno, aí já se comete a primeira imprecisão, para não dizer uma espécie falseamento esperto. Por quê apenas drogas ilícitas ? Substâncias psicoativas só produzem seus efeitos por constarem ou não no Código Penal ? O álcool, o tabaco, além das milhares de substâncias farmacêuticas a disposição, cuja legitimação de uso se dá através de receituário médico ficam, assim, de fora da tal "escada" ? Talvez esse artifício se justifique pela nossa compulsão a penalizar o outro. Mas isso é outra história.
Voltando a "teoria da escada". Por ela, a complexidade humana é reduzida a nada. Todos são iguais, tem os mesmos valores, comungam das mesmas aspirações, inquietudes, interrogações, incompletudes, visões de mundo, formas de se relacionar com o mundo, com a natureza, com as pessoas e consigo próprias, etc.,etc.,etc. Esse é o primeiro ponto fraco da tese. Se não somos iguais, a forma de relação com o mundo das drogas também será diferente. Não é incomum, por exemplo, artistas, escritores, compositores, etc. lançarem mão de drogas que alterem a percepção para construírem suas obras. Por outro lado, a utilização de drogas estimulantes quando estão em cena. Aliás, estas são as mais utilizadas por profissionais do volante, até mesmo para suportarem suas jornadas de trabalho. Mas poderia-se argumentar que muitos usuários utilizam diversas drogas concomitantemente, desordenadamente, misturando drogas depressoras e estimulantes, por exemplo, ao mesmo tempo. Bom, pode-se fazer tudo, mas o que buscamos é desmentir a necessária existência de um certo padrão de comportamento. E nada mais contrário a padrões do que exceções, que devem ser tratadas como tal.
O segundo: existe uma série de substâncias psicoativas cujos efeitos diferem profundamente uns dos outros. Assim, pode-se dividir os tipos de drogas em três grandes grupos: as que diminuem a atividade mental, também chamadas de depressoras. Pertencem a esse grupo o álcool, os ansiolíticos, os inalantes, a morfina e a heroína. Drogas que aumentam a atividade mental, ou seja, estimulantes. Cafeína, tabaco, cocaína, crack e as anfetaminas, são os exemplos mais comuns. E as drogas que alteram a percepção, também conhecidas como alucinógenos. LSD, ecstasy e maconha, além de uma grande série de drogas derivadas de outras plantas que igualmente fazem parte deste grupo. Então, temos uma grande série de drogas, absolutamente diferentes entre si, do que resulta inúmeras possibilidades motivacionais de seu uso em função dos variados efeitos possíveis. E quando um usuário procura determinada droga, o faz buscando certos efeitos desejados. Por isso, não é lógico que alguém que fume maconha passe a usar cocaína automaticamente. São drogas absolutamente diferentes, para não dizer antagônicas quanto aos seus efeitos. Do que se conclui que é completamente não-lógica a passagem automática duma para outra.
Então, se as drogas diferem-se em relação aos efeitos produzidos, é razoável que sejam utilizadas por motivos diferentes. E mais, se nem todos são iguais, suas relações e buscas quando do acesso às drogas também obedecerão a razões as mais diversas. E se assim o é, o que parece ser lógico é apenas uma aparência. Nada mais. Ou seja, não existe a necessária e inevitável ocorrência do efeito-escada. Hum, mas teria uma questão a mais a colocar aos amantes da teoria da escada, do inevitável: o primeiro passo seria dado porquê ? E o último seria quando ? Starway to heaven ? Nem sempre, nem sempre...

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