quarta-feira, 29 de julho de 2009

Histórias curtas VII - Se tivessem feito teste vocacional...


Pombo-correio voa depressa
E essa carta leva para o meu amor
Leva no bico que eu aqui fico esperando (...)

Esse é o primeiro verso de uma música de Moraes Moreira, que fez muito sucesso no final dos anos setenta. E fazia sentido pois, naquele tempo, para conseguir uma ligação telefônica interurbana era preciso ligar para uma telefonista. Quando, e caso conseguisse a ligação, ela transferia o contato para quem solicitou. Mas levava muitas, muitas horas. Mesmo que fosse para cidades vizinhas. Se fosse ligação internacional então, nem se fala. Era mais fácil escrever uma carta, colocar dentro de uma garrafa, ir até a praia mais próxima e jogá-la no oceano. Se bem que muitas guerras começaram assim - principalmente no tempo em que as alianças políticas internacionais se davam através de casamentos - já que as correntes marítimas nem sempre tinham traçados confiáveis. Dá para imaginar o rebuliço.

Há quem diga que a alegoria na cabeça que caracteriza as pessoas traídas pelos seus parceiros vem justamente deste tipo de mensagens. Explico: como todos sabem os vikings sempre ostentaram orgulhosamente chapéus ornados por um par de vistosos chifres. Como viajavam muito, suas esposas, sempre muito amorosas, mandavam recados apaixonados via garrafas. Mas na maioria das vezes as correntes marítimas impediam os recados de chegarem aos destinatários corretos. E como o ser humano adora uma malediscência...os vikings pegaram a fama de eternos traídos. E os traídos, de chifrudos, de cornos. Ou seja, tudo não passou de um problema de comunicação. Um bom pombo-correio resolveria tudo ? Nem sempre. O problema é que eles nunca encontravam o navio no meio do oceano. Então restou a opção das garrafas. E as garrafas...

Quem cresceu nos anos noventa não tem como imaginar uma situação dessas. Mas era assim. Não era fácil comunicar-se a distância e o telefone era artigo de luxo. Para se ter uma idéia, quando casais se desquitavam (o mesmo que divórcio, só que sabiamente não se podia casar de novo) brigavam pela linha telefônica. Havia acordos do tipo: tu fica com o Aero Willis Sedã e eu fico com o telefone, com a gaiola dos passarinhos e o cachorro, ok ? Tá bem, mas os LP´s da Rita Pavone vão comigo. Fechado.

Por tudo isso, naquela época era dificílimo falar com quem estava longe; então falávamos com quem estava perto. Hoje é super fácil falar com quem não está perto, e quem está próximo acaba distante. Evoluímos assim. Entenderam por que, naquele contexto, um bom pombinho-correio valia ouro ? Um dos bons era capaz de viajar até mil e trezentos quilômetros, entregar a mensagem e retornar ao local de partida trazendo a resposta. Pode isso ? E tem gente que sai na sexta-feira prá comprar cigarro na esquina e só volta domingo à noite...se não for carnaval.

Pois agora, em plena era da internet, celular e o diabo-a-quatro, um pombo, que não era da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, aparece nos noticiários em grande estilo. Um certo pessoal, em Porto Alegre, resolveu treinar um pombinho para que fizesse as vêzes de transportadora. Tiveram a "brilhante" idéia de carregá-lo com uma bateria e um carregador de celular, incumbindo-o de que fizesse a entrega na Gaiola Central de Porto Alegre. Mas a pequena ave desconhecia outro trecho da música de Moraes Moreira - uma espécie de Manual de Procedimentos do Bom Pombo-Correio:

(...) pombo-correio se acaso algum desencontro
acontecer não perca um só segundo (...)

E ele parou. Parou para fazer um pequeno lanche. E o pior, escolheu justamente um quartel da Brigada Militar para encher sua barriguinha. E assim foi descoberto. Claro, ele não tinha culpa. Nem pombo-correio era. Se tivessem feito teste vocacional...

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