terça-feira, 8 de junho de 2010

Um mais um igual a três.

O dia dos namorados aproxima-se com a mesma velocidade com que mulheres e homens convergem em seus costumes, antes tão diferentes. Explico melhor: o que outrora era inequivocamente típico de homens ou de mulheres, agora aparece como comum a ambos. E os exemplos são cada vez mais abundantes.
Em outros tempos, por exemplo, quando meu time levava um gol imediatamente eu bradava impropérios ao árbitro afirmando categoricamente que o cara estava impedido. Sem direito a contestação. E ponto final. Ato contínuo, minha mulher ficava ali tentando me consolar carinhosamente dizendo-me "segredos de liquidificador". Era tão bom que vez ou outra eu fingia haver impedimento até em cobrança de pênalti - e ela docemente acreditava. Mas dia desses meu time levou um gol e, como de costume, comecei a berrar: Impedimento! Impedimento! Ela esperou pacientemente e, quando me acalmei, suavemente me apunhalou: "Não estava!" Como assim? Claro que estava! "Não estava, pois na hora do lançamento havia dois jogadores adversários entre o jogador que recebeu a bola e a linha do gol”. Meu mundo caiu. Minha mulher não só fez a leitura correta do lance como sabia a regra do impedimento. E, pior ainda, explicou-me como se eu fosse um de seus alunos em pleno processo de alfabetização. Merda, além de acabar com a mordomia, foi-se embora minha superioridade futebolística - a regra do impedimento sempre fora o grande trunfo. Obviamente o fato era grave e exigia retaliação imediata. Fui ao banheiro e peguei um de seus inúmeros produtos de beleza e comecei a esfregar os cotovelos. Mas o que é isso, disse-me espantada. Nada, estou com os cotovelos ásperos e vou passar um creme. Algum problema? "Nenhum, amor, nenhum; só que você está passando rouge e seus cotovelos vão ficar vermelhos." Emburrado, troquei de canal e mirei num programa de fofocas - coisa de macho, é claro. Lá estava um apresentador - homem reconhecidamente fofoqueiro é mais uma das novidades - mostrando uma foto do David Beckhan, depilado, com as sobrancelhas feitas e vestindo a calcinha da esposa. Mas que mundo é esse!? Desisti da tv e fui para o computador. Não demorou muito para ela me pedir para baixar um disco.
Sim, amor. Qual? O da Ana Carolina, a trilha da novela das oito...? "Não, o do Motorhead!" Como assim do Motorhead!?
Pô, se ainda existe uma banda digna de ser chamada de "banda de rock" - heavy até os ossos - esta é o Motorhead. Não há nada mais ogro do que o vocalista Lemmy e suas verrugas amestradas. E tem mais, mulher alguma jamais foi vista em shows deles - sempre habitados por hordas de mamíferos bípedes simiiformes, exclusivamente do sexo masculino e trajando amarrotadas e mal-cheirosas camisetas pretas - uma cavalice total. Como ela poderia querer ouvir aquilo? Contrariado, mas obediente - mais uma característica dos novos tempos - baixei o disco.
Atordoado com tantas ocorrências, convidei-a para sair. Tirando uma breve discussão a respeito do itinerário - e ela estava certa, eu deveria ter dobrado à direita - seguimos em paz. Subitamente chamou-me a atenção um carro nervosamente dando-me sinal-de-luz. Facilitei a ultrapassagem mas não fiquei imune aos protestos - emoldurados por uma voz feminina - vociferados com toda a zanga. Como se não bastasse, mal o carro nos passou, pude ver uma mão estendida para fora da janela com o dedo médio em riste e um homem passando a mão na cabeça da motorista, como que tentando acalmá-la. Elas estão ficando tão neuróticas quanto nós, logo logo vão começar a enfartar precocemente, "pensei em voz alta”. O que você falou?, perguntou-me. Nada, benzinho, eu só pensei em te convidar para um cineminha. De repente a gente poderia ver uma comediazinha romântica com o Hugh Grant e a Julia Roberts... "Nem pensar! Já estou cheia de desses filmes adocicados; só vou se tiver algum filme com o Chuck Norris ou o Stallone! É isso ou nada!" Tudo bem, você é que manda, resignei-me. Mal nos acomodamos nas poltronas e três mulheres pediram licença para sentar-se na mesma fileira. Claro que minha mulher beliscou-me sugerindo que as havia dirigido olhares, digamos, antropofágicos. Como inocente - outra novidade - exasperei-me e tasquei: Olha aqui, uma antropóloga fez um estudo no qual ficou comprovado que 47% das mulheres cariocas já traíram seus parceiros, ou seja, já estão quase empatando com os homens. Então chega desse papinho de pobres inocentes traídas. Surpreendida pela minha indignação, virou-se para a tela e pôs-se a assistir o filme, que já começara. Satisfeito com minha pírrica vitória, encostei a cabeça na poltrona para cochilar - e teria conseguido não fosse a quantidade oceânica de tiros. Findo aquele libelo ideológico estadunidense - onde as soluções passam sempre pela iniciativa heróica individual em detrimento de ações coletivas - o bem, isto é, "eles", mais uma vez venceram os "malvados da hora”. Saímos do cinema e nos dirigimos ao estacionamento. Como que acusando o golpe do estudo da antropóloga, pareceu querer desafiar-me ao exigir a chave do carro. Entreguei-lhe, não sem antes murmurar: sair da vaga do estacionamento é fácil hehehe! "O que você falou?" Nada, amor. O filme estava ótimo, não...?
Enfim chegamos em casa, surpreendentemente ilesos. Atirei-me escandalosamente no sofá e comecei a tatear por suas reentrâncias à procura do melhor amigo de nós, homens: o controle-remoto. Sem sucesso, perguntei: Amorzinho, você viu o controle-remoto? "Sim, está comigo!" Podes me alcançá-lo? "Não, ele vai ficar comigo!" Como assim? "Vai ficar comigo e pronto! De hoje em diante será assim!" Não sei descrever que tipo de sensação apossou-se de mim. O fato é que peguei a pinça no estojo de cosméticos dela e fui ao banheiro me auto-imolar: comecei a arrancar os pêlos das sobrancelhas sem me importar com as lágrimas que escorriam pelo canto-do-olho a cada pêlo arrancado. Onde já se viu? Aceito quase tudo, mas o controle-remoto não!

Um comentário:

  1. Joca, SENSACIONAL! Juro que se pegar o marido passando meus cremes importados eu mato ele! Gosto dele ogro! :o)

    beijo

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