segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Histórias curtas IX - Não vai dar certo !

João Jean era um cara soturno, aborrecido, daqueles que parecem ter uma nuvem cumulus nimbus sobre a cabeça o tempo todo. Baixo astral em tempo integral, João Jean acabava com a alegria até em concentração de escola de samba em plena avenida.
Jurou que um dia ainda provaria que a existência de dois pólos antagônicos (positivo e negativo) era uma falácia. Para ele era negativo e péssimo.
Dizem que se canalizassem suas lágrimas para que desaguassem no mar morto, em doze anos o ressuscitaria.
E ele já estreou no mundo mostrando a que vinha.
Ao nascer o obstetra teve que bater com o avental molhado da enfermeira para que parasse de chorar. Dezoito horas depois, quando por instantes parou - foi o suficiente para pedir que anotassem seu epitáfio: eu disse que não ia dar certo !
Quando saiu do hospital o médico receitou os medicamentos compatíveis com os problemas normais de recém nascido... e três caixas de anti-depressivos diferentes. Foi a primeira vez que João Jean proferiu a frase que seria sua marca:
- Não vai dar certo !
A infância, como fora previsto por ele, não foi fácil. Ninguém gostava de brincar de pega-pega com ele.
Ficava parado o tempo todo e gritando:
- Prá que correr se vão me pegar mesmo ? Prá que correr...prá quê..???
Maior baixo astral.
Aos sete anos o paizão tentou levá-lo ao jogo do Grêmio.
- Não vou.
- Por quê, filhão ?
- Vai perder. Não vai dar certo !
- Que nada filho, vai dar nós. Vamu lá, vamu lá...
Três horas depois do jogo - e do conserto de três pneus furados - chegaram em casa.
- Eu avisei pai. E vão cair prá segundona...
- Cala boca João *#*@! Cala a boca !!!
Pelo menos ficaram confortáveis no estádio. Mesmo lotado, num raio de cinco metros todos se afastaram dos dois. Ninguém agüentou os comentários negativos de João Jean.
- Esse zagueiro não joga nada !
- Esse goleiro é uma merda !
- Ninguém arma nesse meio campo !
- Como é que vamo fazê gol com esse ataque de riso ?
E o time levando gol e ele só no "eu não disse ?, eu não disse ?".
JJ não era um simples corneteiro; era um naipe de metais completo...um giga-xarope.

Não é preciso dizer que os amigos fugiam dele. Certa vez chegou de sopetão numa roda de amigos que estavam combinando uma festa.
- Vai ter festa ? Onde ?
- Ia mas parece que foi cancelada, João.

Sem amigos, o jeito era sair sozinho. Deixou a franja crescer, vestiu roupa toda preta e se mandou prá ver um show do NXZero. JJ gostava de música emo. Nem é preciso dizer por quê. O fato é que na segunda música foi expulso pela galera. Seu choro compulsivo estava atrapalhando. Ninguém conseguia escutar a banda. Uma desgraça.

Já adulto, foi trabalhar na empresa do coroa. Até que um dia invadiu uma reunião importantíssima onde estava sendo selada uma fusão gigantesca. Chorando, aos gritos pedia ao pai:
- Não fecha, não fecha, não fecha !
- Porque meu filho, o que houve ???
- Não vai dar certo, não vai dar certo !!!
Melou o negócio.
Antes que as coisas piorassem, seu pai deu um jeito para que trabalhasse em casa, pela internet. Não dava mais para motivar a equipe com João Jean por perto.
Em casa, entupiu as caixas de mensagens de todos os computadores da empresa com um vírus que emitia ininterruptamente a seguinte frase de Nietsche a cada e-mail recebido: "todos vós, que amais o trabalho desenfreado (...) o vosso labor é maldição e desejo de esquecer quem sois".
Seu pai o aposentou. Com dezenove anos.

- Eu devia saber. Não ia dar certo, não ia dar certo, resignou-se o pai de João Jean, Peter Pedro.

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