quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Wilson Simonal e Arnaldo Baptista

O cinema brasileiro parece ter embarcado numa onda de recuperação de pessoas que em épocas pretéritas foram estigmatizadas impiedosa e cruelmente. Coisa de gente sem escrúpulos; de um sem número de pessoas que adoram julgar, condenar e, se possível, não fariam cerimônia em executar. Estou falando específicamente de dois filmes: o "Ninguém sabe o duro que dei" e "Loki".,
O primeiro filme é sobre Wilson Simonal e se presta exclusivamente à recuperação de sua imagem como homem. Já o Loki, filme que mostra a trajetória de vida de Arnaldo Baptista, é mais amplo. A questão que abordo aqui é apenas uma das muitas facetas mostradas no Loki. Mas achei que dava para fazer um ponte com o "Ninguém sabe o duro que dei" pois trata-se de dois artistas que foram publicamente extremamente maltratados.

Wilson Simonal, para os mais desavisados, foi um músico e cantor notável e que ficava melhor ainda em suas performances de palco. Teve o auge e fim de carreira nos anos setenta.
Nesses anos o Brasil estava mergulhado numa ditadura militar, onde qualquer bosta que vestia uma farda ou trabalhava em serviços de segurança pública arrogava-se o direito de fazer o que bem entendia. E faziam mesmo. Pois o Simonal tinha como amigo um desses bostas. Como há algum tempo Simonal suspeitava que seu contador o roubava, pediu ao amigo-bosta que fizesse o favor de dar "um susto" no tal contador. Por susto entenda-se um "pau no cara". O que foi feito. Se ele estava errado ? É óbvio que sim. Quanto a isso não se discute. O problema é que naquele ambiente de ditadura, com perseguições, prisões arbitrárias e tortura, não faltou quem deduzisse que Simonal colaborava com a ditadura-bosta à que o Brasil estava submetido, já que pelo menos este seu amigo fazia parte daquele circo macabro. Daí foi um pulo para que se espalhasse o boato. Em pouco tempo toda a classe artística virou a cara ao Simonal. Ninguém queria ser visto com ele. E aos poucos ninguém mais queria contratá-lo. Desta forma, Simonal foi condenado ao ostracismo e todas as mazelas decorrentes.
Mas a questão é que Simonal não colaborava com a ditadura. Só que isso não foi suficiente para que os malediscentes preferissem o fato à versão. Ficaram com a versão. Disso resultou que, amargurado, lentamente definhou até a morte. Mas enfim, o filme recupera a verdade histórica e reconstrói a imagem de Simonal. Só que agora ele não está mais entre nós...

O outro filme, que é o que mais me emocionou, chama-se Loki. Trata-se da trajetória de um dos maiores gênios da música popular brasileira: Arnaldo Baptista.

Arnaldo, o irmão Sérgio Dias e Rita Lee formavam a base criativa dos Mutantes, maior banda brasileira de todos os tempos. Mas para variar, a banda é mais ovacionada no exterior do que em solo brasileiro. Claro, isso se explica pela histórica predileção da indústria fonográfica e mídia nacional por artistas de qualidade duvidosa em detrimento do talento criativo. Dizem que o povo só gosta de merda. Talvez porque os merdas só apresentem ao povo seus produtinhos de merda. É só observar os programas onde tem espaços musicais na televisão brasileira. Em cada período sempre há uns poucos merdas eleitos e que dominam todos os espaços. Você liga a televisão e eles estão lá.
Mas voltando ao Arnaldo, ele sempre foi um cara com um potencial criativo sem limites. E de uma alma tão pura quanto a de uma criança. Claro que não estou falando de criança que bate em professor...
Alegre o tempo inteiro, era capaz de improvisar ao ponto de fazer verdadeiras releituras ao vivo de músicas que por si só já eram suficientemente sensacionais. E ele conseguia melhorá-las.
Pois Arnaldo, a despeito de seus problemas particulares com Rita Lee, sobre os quais existe um sem número de versões, e que certamente contribuíram em alguma medida para a difícil trajetória de vida que teve após o fim dos Mutantes, também sentiu o gosto amargo dos malediscentes de plantão. Sobre a questão com Rita Lee prefiro não comentar nada. São coisa pessoais. O que me interessa mesmo é tratar sobre a medíocridade de muitos jornalistas e críticos musicais que publicamente o etiquetaram como louco. Jamais se preocuparam em saber se ele estava preparado suficientemente para absorver suas geniais observações. Se é que alguém pode estar. O fato é que no filme, em diversas situações ele deixa claro o quanto aquilo tudo fez mal à ele. Como lhe era difícil conviver com a idéia que muitos tinham e externavam publicamente a seu respeito. Ainda mais considerando a pureza que carregava consigo; e que talvez faça realmente parte dos grandes gênios. Não deve ser nada fácil digerir que os outros pensem que somos loucos. Seja lá qual o conceito de loucura envolvido. Mas certamente, na maioria das vêzes é altamente destrutivo. O irônico é que quem o etiquetou provavelmente jamais será lembrado por ninguém. Mas Arnaldo vai.

O que espero realmente é que deixe de existir a necessidade de filmes que recoloquem a verdade sobre pessoas publicamente tratadas de forma impiedosa. Tenho certeza de que tanto Simonal como Arnaldo trocariam os filmes sobre si por oportunidades de vida onde fossem tratados como deveriam ser, ou seja, como artistas da mais alta relevância. E no caso de Arnaldo, como autêntico gênio.
Mas o pior é que Wilson Simonal sequer teve a oportunidade de ver restabelecida a verdade sobre si. Já Arnaldo Baptista ainda está entre nós. Sabe-se lá como.

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