sábado, 26 de setembro de 2009

A dupla vida de Cauê Sol - Parte II - Aqui não fico mais !

A primeira parte da saga de Cauê Sol está aqui http://soparamorcegos.blogspot.com/2009/08/dupla-vida-de-caue-sol

Uma da manhã. Cauê Sol invade o quarto e, aos berros, acorda seu amigo e confidente
- Acorda espelho, acorda !
- Porra Cauê, por que esse gritedo todo ? O que aconteceu ?
- Eu precisava te contar. Vou me mandar pro Rio Grande do Sul.
- O quê ? Enlouqueceu ?
- Não agüento mais a irresponsabilidade do coroa. Vou pular fora. Não dá mais...
- Calma Cauê. Respira fundo. Me conta o que houve.
- Pô espelho, o velho tá cada dia pior. Como se não bastasse não deixar que eu trabalhe e querer que eu passe o dia inteiro surfando, hoje ele se superou.
- Como assim ?
- Tu viu que hoje choveu o dia inteiro né. Então ele me chamou pra fazer algo diferente. Escureceu a sala, pôs um disco do Pink Floyd, acendeu um incenso e me veio com um papo de um ritual de passagem e coisa e tal.
- Ritual de passagem ?
- Foi o que perguntei a ele.
- E ele ?
- Disse que um ritual de passagem é uma coisa que se faz quando passamos de um estágio da vida pra outro mais avançado.
- Aí veio com um papo de que no tempo dele, quando chovia, ele e os amigos surfistas se reuniam na primeira guarita vazia que encontravam na praia, para uma celebração aos deuses do mar.
- Celebração aos deuses do mar ?
- É espelho. Mas na moral, pra mim isso era só uma conversa mole. O que ele queria mesmo era chegar mais adiante. Vê se não tenho razão. Quando vi ele tava com um baseado prontinho querendo que eu o acendesse. Pode isso ?
- E tu ?
- Eu disse que não ia fumar.
E ele ?
- Disse que não tinha nada a ver; que não fazia mal; que os ancestrais sempre fumaram. E me intimou a acender o bagulho.
- Não vai me dizer que tu fumou ?
- O que eu podia fazer ? Fumei; mas não traguei.
- Ah tá. Esse papo eu já ouvi em algum lugar...
- Não debocha espelho. Fumei e não senti nada.
- Tá, eu acredito, mas e daí ? Tu tá desse jeito por causa disso ?
- Como espelho, tu acha pouco ? Tu acha que é coisa que um pai ensine a um filho ?
- Relaxa Cauê, relaxa.
- Tô chocado contigo, espelho. Mas deixa pra lá. O pior ainda estava por vir. Lá pelas tantas o velho descontraiu mais e soltou a língua. Olha só o papo dele:
- "Filho, tu sabe que a vida é pra ser vivida em toda a sua plenitude. Essa história de trabalhar o dia inteiro é gastar a vida para ganhá-la. Tu nunca te perguntou de onde vem o nosso sustento ?"
- Como assim pai ? perguntei.
- "Cauêzinho, a gente precisa de grana prá viver né?"
- Sim, e daí.
- "Daí que tu nunca me viu trabalhando. Certo ?"
- Sim, pai. Enquanto isso ele foi tirando um cartãozinho de plástico do bolso.
- "É com esse cartãozinho que a gente vive." E me mostrou o cartão.
- Espelho, tu não vai acreditar. O cartão tinha o nome do vô.
- Peraí Cauê. Agora sou eu que não tô entendendo nada.
- Era o cartão da aposentadoria do vô.
- Continuo não entendendo.
- Putz, mas como tu é burro espelho. O pai não informou ao INSS quando o vô morreu. Então a gente vive da aposentadoria dele. É pura falcatrua.
- Ih Cauê, o negócio é mais sério do que eu pensava.
- É o que eu tô dizendo... Pô, eu querendo ser um filho trabalhador e o pai querendo que eu vire maconheiro, estelionatário, que pratique falsidade ideológica, apropriação indébita e nem sem mais o quê. Daqui a pouco o pai vai aparecer nos telejornais da noite algemado.
- Bah Cauê, agora te dou razão.
- Só tem um remédio, espelho. Vou me mandar pro Rio Grande do Sul. Dizem que em setembro os gaúchos se reúnem num parque lá em Porto Alegre e ficam acampados e celebrando o jeito deles viverem. Bem como sempre sonhei.
- Ah Cauê, lá vem tu de novo com essa história de querer ser gaudério.
- Espelho, já te disse que não sou Cauê. Sou Teodorico Salustiano.
- Cauê, não vem me encher o saco com essa história de novo. Teu nome não é Teodorico porra nenhuma. E essa tua fixação já tá virando caso pra psicanálise...
- Tu nunca teve vontade de ser outra pessoa, espelho ?
- Cauê, eu sou um espelho. Se nem sou uma pessoa, quanto mais duas...
- E como é que tu tá falando comigo ?
- E quem é que te disse que falo contigo, Cauê ?

To be continued...

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