quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Não deixe que os amigos imaginários sejam os únicos de seu filho.

A noite sempre caía como um peso descomunal sobre seus frágeis ombros de criança, quando o normal seria o leve deslizar das asas de uma borboleta colorida a conduzí-lo ao descompromissado e alegre mundo dos sonhos infantis.

Como órfão, sem quem lhe contasse histórias para dormir, Jamir buscava entre os nós da madeira do forro de seu quarto, personagens que trouxessem algum encantamento à sua vida sem graça.
Cinco anos no orfanato estavam acelerando demais a ordem natural, ameaçando fazer-lhe ultrapassar criminosamente as saudáveis etapas necessárias ao bom desenvolvimento de qualquer ser humano. Para além disso, a descrença, a ausência de fantasia dos adultos é que estava começando a invadir seu imaginário, irrigando de amargura seu coraçãozinho sequer ainda não dividido com outra pessoa.
Ao menos tinha os nós; seu amigo de quarto, que dormia na parte debaixo do beliche, nem isso tinha, consolava-se.
Mas naquela noite, enquanto os relâmpagos iluminavam o quarto, Jamir notou que seus amiguinhos nós deslocavam-se todos numa mesma direção. Como nunca, torceu para que novos relâmpagos clareassem a escuridão que a hora do silêncio impunha a todos no orfanato. Vez por outra conseguia vê-los. Como se estivessem todos indo a uma festa, a cada segundo pareciam aproximar-se mais do nó maior. E pouco a pouco foram se reunindo. Quando menos esperava, Jamir pareceu ouvir um "psiu". Mais outro e mais outro. No quarto psiu, olhou para a parte debaixo do beliche: seu amigo dormia profundamente.
Mais um relâmpago e pôde ver: os nós; todos juntos estavam ali, formando um par de braços abertos como que a convocá-lo. Sem que notasse começou a levitar, indo diretamente na direção dos braços. Acolhido, pela primeira vez recebeu um caloroso abraço e um delicado beijo de boa-noite em sua pequena testa. Aos poucos, suavemente desceu ao seu leito sob intenso clarão dos relâmpagos, que agora mais lhe pareciam fogos de artifício de intenso colorido.
No dia seguinte, acordou com aquela ansiedade e felicidade transbordante de criança em véspera de natal.
À noite, mais leve do que sempre, sentiu-se feliz por ter a quem dar e receber um simples boa noite. E como nunca, montou no frágil corpinho da borboleta, que o conduziu pelo mundo encantado dos sonhos de criança.

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