quarta-feira, 3 de março de 2010

O importante é marcar posição.

Raimundo era um cara esquisitíssimo; maoísta convicto, em pleno século 21, não se furtava em se posicionar frente a qualquer situação que fosse, mesmo que nada soubesse a respeito do fato em questão. Marcava posição sempre; o negócio era deixar claro o que pensava ainda que sua opinião não tivesse a menor fundamentação. Orgulhoso de seu radicalismo, certa feita recusou-se a assinar um abaixo-assinado em favor da preservação dos tucanos pois odiava o PSDB, não apenas pela questão ideológica mas, sobretudo, pela fama dos partidários da sigla de ficarem sempre "em cima do muro". Não perdoava muro; e dane-se se os tucanos fossem extintos. Azar deles; quem mandou...
Fanático por esportes, principalmente em competições envolvendo países, não perdia um. Só para se posicionar. Sentava-se na poltrona, mordia o sanduíche, tomava um gole de cerveja e rapidamente saía à procura de critérios para torcer para um ou outro. Se os EUA estivesse na disputa era fácil; sempre torcia contra os imperialistas do hemisfério norte. Caso não, torcia para quem ostentasse o fardamento da cor do socialismo: o vermelho. Barbada. Mas quando não havia como lançar mão de nenhum dos critérios anteriores corria para o google à procura do PIB de cada uma das nações envolvidas na disputa. A que tivesse o menor índice era agraciada com sua torcida. Não interessava que esporte fosse, escolhido o critério lá se ia Raimundo torcendo como se o país escolhido fosse o seu.
Sua esposa conta que na penúltima edição das Olimpíadas de Inverno Raimundo ficou um mês inteiro ouvindo Bob Marley como sinal de luto por que a Jamaica não conseguiu uma única medalha nos jogos. Pode isso ? Pode, com Raimundo tudo era possível. E Raimundo adorava um esporte em especial: a ginástica olímpica. Ficava o tempo todo secando frenéticamente os atletas norte-americanos, indo ao êxtase quando algum caía pois as quedas, neste esporte, quase sempre são definitivas: caiu se ferrou. E isto era a glória para ele. Até mesmo no hipismo torcia para o cavalo tropeçar. Nem o concurso da Miss Universo escapava. Dizem que num desses Raimundo acordou o quarteirão inteiro aos berros ao flagrar um pequeno vacilo da candidata que concorria com sua predileta: "Eôeô a fulana se ferrôôô...! Raimundo era incorrigível.
Mas de tanto secar os adversários um dia os deuses do esporte lhe pregaram uma peça. Como de costume, Raimundo postou-se frente à televisão para assistir a final olímpica do curli. Para quem não sabe, o curli é uma espécie de bocha no gelo onde as bochas propriamente ditas são subtituídas por pedras na forma de elipses, com cerca de 19 kg, e que são lentamente arremessadas na direção de um alvo. Na trajetória, os demais atletas da equipe usam pequenas vassouras para acelerar ou corrigir a trajetória das pedras. Um esporte muitíssimo emocionante. Mas para Raimundo isso era secundário, o que interessava era torcer, marcar posição.
Mas naquele fatídico dia entrou em crise ao saber das nações que estavam na disputa: de um lado os EUA, seu eterno desafeto, e de outro a Suíça, país notoriamente conhecido por sua histórica posição de neutralidade. Ou seja, eles contra o país que sempre ficou em cima do muro. Perplexo, Raimundo ficou inerte, com um olhar parado e distante olhando para a televisão sem esboçar a menor reação. E a cerveja esquentando e o sanduíche à mercê das moscas que dele se serviram sem serem minimamente incomodadas. Uma tragédia.

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