terça-feira, 6 de abril de 2010

Mané



Deus me livre de ser ateu ! Ser ateu não é coisa para qualquer um; e sou um legítimo qualquer um. Claro, todos pensamos ser especiais, mas não somos. Quem nunca pensou em fazer algo diferente, falo de algo que o diferenciasse dos simples mortais ? Ou, ainda, aquela sensação de que a qualquer momento aquela obscura e ainda desconhecida parte de seu privilegiado cérebro traria à luz algo tão inédito quanto genial ? Nem responda, apenas pense. Acho que todos já tivemos, em algum momento, um arroubo de esperança megalomaníaca. Mas os anos vão passando e a coisa não acontece.

Com Zé Eduardo não foi diferente. Desde cedo tinha a certeza de que mais dia ou menos dia teria o "estalo", a idéia que o levaria ao píncaro da glória, a partir do que seria lembrado para todo o sempre com sincera admiração de todos. Entretanto sua impaciência nunca o deixou esperar o tal estalo. Preferia fazer acontecer.

Ainda criança, junto com seu amigão José Lutzemberguer, e num tempo em que ninguém sabia o que significava consciência ecológica - talvez ainda nem existisse tal expressão - bolaram um estilingue onde no lugar de pedras seriam arremessadas bolas de isopor para que os pássaros não fossem feridos. Seus amigos riram de seu invento. Terminava ali a parceria dos Zés. Mas a questão ecológica continuou a povoar o imaginário do José Lutzemberguer, que todos sabemos veio a tornar-se um dos pioneiros da defesa do ecossistema em nosso país. Bingo, o Lutzemberguer garantiu - mesmo que não fosse sua intenção - seu lugar no panteão.

Mas o pequeno fracasso calou fundo em Zé Eduardo; e por um bom tempo. Traído pela vaidade que o escravizara, deprimiu-se e passou a ocupar suas tardes sentado embaixo de uma macieira esperando que a fruta caísse em sua cabeça, provocando o estalo como achava ter ocorrido com Newton. Claro, hoje sabemos que Isaac Newton era irrequieto demais para sentar-se preguiçosamente onde quer que fosse, menos ainda sob uma macieira. De acordo com a psicopedagogia moderna provavelmente Newton seria considerado hiperativo. Mas Zé Eduardo não sabia e, por isso continuou a esperar que algo que o distinguisse acontecesse.

E os dias foram passando e nada da idéia genial acontecer. E o que era esperança aos poucos metamorfoseou-se em frustração e esta em ressentimento que, sem o menor esforço, transformou-se em raiva e prepotência.
Assim, cada vez mais Zé e menos Eduardo; julgando-se superior caminhava a passos largos para se tornar um autêntico mané. Faltava-lhe apenas a oportunidade. E esta, sim, chegou.
Certa madrugada resolveu sair sem destino ou finalidade. Ao passar por um morador de rua, parou o automóvel, engatou a marcha-ré e desceu de seu veículo. Sequer deu tempo para o pequeno homem que ali descansava seu maltratado corpo ver quem o agredia. Quando deu por si já estava pichado com tinta spray prata, dos pés à cabeça. Como se não bastasse, mais tarde outro mané - ou o mesmo - resolveu urinar sobre aquele homenzinho que, perplexo, ali quase jazia. Em plena sexta-feira da Paixão. Dois mil e dez anos depois de Cristo.
Parte da história é falsa; a outra não. Aconteceu em Porto Alegre na fria madrugada do dia dois de abril.

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