segunda-feira, 19 de abril de 2010

Devaneios na praça.


Levo-me para passear pelas descuidadas praças de uma Porto Alegre há muito carente da devida atenção por parte de quem, em seus versos, a acha demais, mas no dia-a-dia acha demais cuidá-las. Aproximo-me do banco de madeira de uma dessas bucólicas praças; seu lustre impõe-me respeito por tantos que por ali largaram seus cansados corpos ou deixaram-se atirar preguiçosamente e por ele foram recebidos sem distinção. Suas marcas ali estão, e que se revelam no brilho coletivamente construído em dias de sol a pino, ou nublados, ou frios, ou torrenciais, ou alegres, ou nem tanto. Sem mais deparo-me com a idéia de que todos contém um banco de praça em algum momento de sua vida, mas sobretudo por ele são contidos, e dele passam a fazer parte enquanto existir. Falo do banco pois nós até podemos perecer antes, mas nele continuaremos registrados.

Ajeito-me como posso, acompanhado pelas sombras das árvores que somam-se a tantas outras sombras, e ponho-me a observar a coleção de histórias que desfilam frenéticamente para lá e para cá. E como é intrincado esse conjunto tão disperso de roteiros: uns próximos de seu desfecho e de braços dados com a naturalidade de sua finitude, outros recém na introdução, outros tantos a meio-caminho, outros sequer suspeitos do final tão inesperado quanto precoce que os espera e outros e mais outros e mais outros e mais outros. A verdadeira história da vida passa por ali, tão previsível e tão surpreendente. Em nada se parecem com os enredos automatizados pelo natural ciclo da vida das testemunhas parceiras de meus devaneios. Destas não há surpresas: das sementes vem a planta, da planta as flores, das flores os frutos, dos frutos as sementes. Algumas são ainda mais apressadas e simplesmente pulam ora a etapa dos frutos, ora a das flores.

Mas também em seu reino é possível encontrar severas contradições, a que o marxismo diria de classe. O eucalipto - fazendo uma analogia um tanto que forçada com a explicação marxista - talvez seja a árvore mais próxima do que Karl Marx chamaria por capitalista - o detentor do capital - cuja lógica de existência estaria em conflito permanente com as probabilidades de existência das demais espécies. Entretanto com uma grande diferença entre ele e o capitalista que conhecemos: o eucalipto precinde da existência do seu opositor. Já o capitalista se serve dele. Para este, seu opositor na escala do conflito de interesses - o proletariado - quanto maior, mais aumenta suas possibilidades de extrair a mais-valia. Além do que o capitalista utiliza-se de sutis formas para esconder a oposição. Vez ou outra chega mesmo a eufemísticamente chamar seu rival de colaborador, até mesmo oferecendo-lhes (ou sendo forçado a) pequenas vantagens para mantê-lo sob seu controle. Já o eucalipto é curto e grosso: basta-se e deixa sua auto-suficiência bem clara ao aniquilar tudo a sua volta. Portanto ele e as demais espécies arbóreas possuem interesses intrínsecamente tão conflitantes ao ponto de haver a necessidade de seu controle efetivo pois, caso contrário, o antagonismo pode chegar a um impasse suficientemente grande que a destruição do ecossistema é inexorável (exatamente como Marx previu em sua análise do capitalismo).

Por tudo isso raras são as praças povoadas por eucaliptos. E quando as encontramos, nada mais sem graça: os troncos são sempre lisos e uniformemente arredondados; tediosamemente iguais. Simplesmente não há as surpresas dos galhos retorcidos que a presença de diferentes espécies nos brindam ao buscar permanentemente aquela fiapo de sol que escorre entre folhas disformes. Uma maravilha.

Retorno de meu devaneio com uma certeza: o único lugar para os eucaliptos nas praças deveria ser o de fornecer a matéria-prima para os bancos. Apenas isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário