segunda-feira, 17 de maio de 2010

De quando insignificâncias viram fatos significativos.

Certamente existe um sem número de ações insignificantes que possuem um potencial enorme como possíveis agentes perturbadores de nossas possibilidades de um relativo sossêgo diário.
Coisas triviais tais como alguém que não economiza palavras para descrever aquilo que já detectamos que queira dizer nas primeiras sílabas da frase;ou ainda aquele tipo de pessoa que adora socializar suas músicas de qualidade altamente duvidosa; ou quando se quer ler e aquele sujeito insiste em contar com nossa atenção só para poder despejar suas banalidades sobre quem não está afim de ouví-las, pelo menos não naquele instante; ou...ou...

Muitas, enfim, são as possibilidades, mas uma em especial me tira do sério: ter alguém ao lado mascando chicletes com a boca escancaradamente aberta fazendo acrobacias estalantes com aquela gosma. Não sei porque razão este miserável ruído me irrita tanto, principalmente levando-se em conta a quase impossibilidade de termos um momentinho sequer sob o mais absoluto silêncio. Então já devia ter me acostumado com os milhares de barulhinhos que invadem nossos ouvidos sem pedir licença. E de fato já me acostumei com quase todos: o trânsito, a vizinha do 418 mandando ver no karaoke (e achando que canta bem); as crianças na rua usando toda a sua capacidade pulmonar para reverberar suas estridentes cordas vocais; as obras em toda a parte; o telefone; a cabeceira da cama dos vizinhos de cima batendo na parede quando transam as três da manhã; o choro do bebê com dor de ouvido (pobrezinho); o helicóptero da polícia dando rasantes e outras tantas situações ruidosas.

Mas o barulhinho do chiclete não tem jeito. E o pior é que não consegui alcançar nenhuma explicação plausível e a conta do analista segue desfalcando o orçamento. Acho que na próxima sessão vou me atirar no divã mascando um punhado de ploc. Pode ser que ele próprio entre em crise e a mediação junguiniana seja deslocada do inconsciente individual para o coletivo - no fundo tenho uma certa esperança de que todo o mundo se irrite com isso, não só eu - e quem sabe até seja algo inscrito no DNA da humanidade. Já propus a ele este viés de análise, entretanto ele rejeita peremptóriamente. Talvés ele esteja certo em alguma medida pois meu caso parece ter ultrapassado um bocadinho o nível de razoabilidade.

Julguem vocês próprios: há seis mêses, um cara massacrando o chiclete com a boca aberta sentou ao meu lado no ônibus. De início tentei me distrair imaginando uma orquestra de xilofones tocando "festa no apê" ao lado da minha cama após um dia estafante. Obviamente não deu certo porque além de ser um negócio acintosamente provocativo, o chiclete era insuportavelmente tutti-frutti. E convenhamos, hálito de tutti-frutti é tão odioso quanto perder campeonato com gol em impedimento. Acabei tendo uma crise nervosa que cristalizou-se numa disfunção que me impeliu a uma crise de soluços absolutamente infernal.

Desde então estas crises de soluço me perseguem cada vez que algum infeliz desses cruza por mim; e eles estão em todos os lugares. E parar de soluçar é complicado - suspeito que eles tem alguma espécie de mecanismo identificador de métodos repetidos para pará-los - e assim, cada vez demoro mais para conseguir respirar na boa. Ou seja, três pulinhos, sustos, goles d'água ou prender a respiração são absolutamente ineficazes. Ouvi dizer que lembrar do Roberto Leal cantando pode dar certo. É a minha "carta na manga" para a próxima crise.

De qualquer forma, pelo sim, pelo não, mesmo que a psicologia analítica confirme a tendência atual de não solucionar meu caso, antes do eletro-choque vou tentar fazer regressão. É o meu penúltimo cartucho.
Sim, vou vasculhar minhas vidas passadas pois tenho um sonho recorrente de estar sendo alvo do apetite de alguma civilização canibal que habitava qualquer daquelas dezenas de ilhas da Polinésia. Talvez seja uma pista. Pode ser que eu tenha andado por aquelas bandas mesmo antes de o antropólogo Franz Boas ter nos brindado com seu conceito de etnocentrismo e seu desdobramento na visão de outros povos a partir da ótica do relativismo cultural.
Posso até me imaginar num caldeirão esquentando junto com a água enquanto os nativos insuportavelmente estalavam suas bocas transbordantes de baba. E eu ali, indefeso.
Pelo menos, como Boas ainda não existia, eu estaria plenamente autorizado pela minha ignorância a chamá-los de seres inferiores dotados de uma gastronomia para lá de duvidosa. E eu diria assim mesmo, na lata, sem rodeios e estaria superado o recalque.
Mas isso é só uma hipótese. Enquanto isso...

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