segunda-feira, 28 de junho de 2010

Borboleta do asfalto.




Mal começou a semana e me deparo com teu desconhecido corpo, inerte, ainda quente, estendido no asfalto atrapalhando o tráfego e sob curiosos e mórbidos olhares vampiros. Quem te sugou o sopro da vida não está ali; restaram apenas as marcas dos pneus, testemunhas da partida, da tua partida, do ponto de chegada da tua vida. Teus olhos cristalizaram o desespero, o desamparo perante o inevitável; rigidamente abertos, não piscam com a chuva que chora inundando-os, antecipando lamentos que ainda virão, e virão por ti. Porque não olhaste para o lado? Quem sabe o que se passava em teus pensamentos...
Talvez tua última noite tenha sido proveitosa, inundada por planos, com promessas de amor, com sonhos de cercas brancas com roseiras espalhadas pelo gramado esmeralda, com visões do amor que chega cansado e se alivia em teus braços, com ternos beijos na testa de filhos que agora jazem sem terem sido - como sementes jogadas no estéril chão de eucalipto.
Mas os planos são assim mesmo, brincadeiras para driblar um futuro incerto ou apenas para tornarem menos insuportável nossa existência - tão encharcada pelo mal-estar que toma conta da humanidade - ou, ainda, para simplesmente serem desmentidos pelo calendário que avança subtraindo porvir e aumentando o que já não é mais possibilidade.
Porém, talvez tua noite não tenha tido nada de especial; quem sabe foi apenas mais uma solitariamente dividida com a rotina comum a quem não se permite esperanças róseas, ao contrário, vive emoldurada tão somente por cinzas premências, testemunhas fiéis dos limites que a realidade impõe impedindo sonhos; assim como muros egoístas - privilegiados espectadores do sol que inviabilizam passar. Quem sabe, afinal, o que se passou?
De qualquer forma não há mais possibilidades; é inútil especular. Agora viraste borboleta do asfalto pelo sopro da morte que travou definitivamente teu vôo. E assim, tuas asas ali jazem, inertes e descoloridas, a demarcar mais uma cortina que se fechou para todo o sempre, amém.
Mas porque mesmo não olhaste para o lado?...

2 comentários:

  1. É muito bom quando se depara com um texto desses, em que a leitura pega do início ao fim.
    Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

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  2. Ótimo,no meu entender o texto mostra a realidade nua e crua. Quantas vezes deixamos de viver o presente pensando no futuro né? Boa Carlet. Um abraço.

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