quarta-feira, 7 de julho de 2010

Bicho-urbano.

Pinheiros dançantes - OST - 50 x 70


Não é preciso choques-elétricos, pau-de-arara ou agulhas sob as unhas. Confesso sem a menor resistência: não acho nada divertido acampar!Afora experiências de minha infância quando, vez ou outra, passava o fim de semana acampando com meu pai e seus amigos em suas pescarias, uma única vez cedi às pressões para me embrenhar por matas munido tão somente pelo dito essencial: panela, talheres, prato, copo, colchonete, cobertor, alguma roupa, bebida e uma oca de plástico.
Não sei quem, mas na ocasião me convenceram de que isto era o suficiente. Não era!
Claro, fui traído por aquele olhar para o passado onde tudo, ou quase tudo, parece-nos melhor do que realmente fôra. Querem um exemplo? Hoje é até engraçado lembrar que, quando criança, saía de casa para ir ao dentista, mas não ia. Ficava dando banda esperando o tempo passar para, no momento certo, voltar para casa e ir fazer qualquer coisa. Entretanto, na época, me aterrorizava a certeza de que mais cedo ou mais tarde o Dr. Dazir perguntaria à mãe o porque de eu nunca mais ter aparecido no consultório. Pois é justamente essa sensação de pavor que a memória deleta (ou abranda), deixando apenas a graça dos meus dribles inconseqüentes. Talvez isso explique aquela sensação que às vezes temos de que “era feliz e não sabia”: a memória parece ter uma lógica de funcionamento que suaviza lembranças desagradáveis. Claro que não se trata de traumas que ficam escondidinhos em algum canto, mas sim de pequenos dissabores. Tão somente isso.
É precisamente por isso que, dos acampamentos de outrora, restaram as impressões de que tudo era uma festa.
Hoje, até a lembrança de quando tive que correr até a exaustão para fugir de uma cobra que dormia sob o sol parece divertido, mesmo tendo ficado absolutamente aterrorizado e completamente esfolado pela quantidade imensa de espinhos que, sem pedir licença, teimavam me agarrar em minha tresloucada e incerta rota de fuga. Ou mesmo aquelas intermináveis horas em que ficava pacientemente esperando a rolha afundar para, em seguida, descobrir que o peixe que eu nunca fisgara – e que provavelmente deveria estar tirando onda da minha cara com a barriga cheia de minhas iscas -, parece encantador. Foram justamente estas adocicadas lembranças que me ocorreram quando aceitei o convite. Mas a realidade dos fatos deu-me seu recado e me deixou a lição:

Quem precisa do cheiro do mato? Prefiro lençóis cheirando amaciante, travesseiros personalizadamente amassados sobre um colchão com covas modeladas pelas minhas exatas medidas, ao contrário do colchonete – que via de regra é escravizado pelas manias e reentrâncias do solo sobre o qual é depositado –, pelo que acampados acordam como se tivessem passado a noite no porta-malas de um fusca. Além do mais, o que pode ter de divertido passar a noite num iglu sintético, trancafiado por um zíper para fugir dos milhões de mosquitos e, de quebra, passar a noite escutando o caminhar de peludas aranhas caranguejeiras sobre estalantes folhas secas? Nada! Quando muito, terror. A natureza é muito bacaninha na televisão: não tem cheiro ruim, mosquitos, insetos, água de potabilidade discutível, cobras traiçoeiras...e imensas, espinhosas e pedregosas trilhas para se chegar exausto a esses “paraísos naturais”.
Por essas e outras, nesta altura do campeonato, me declaro fora do jogo: acampar mais me parece um exercício de autoimolação ou, quando muito, possibilidade de deitar falação acerca de discutíveis glórias a respeito de privações suportadas nessas aventuras, menos bucólicas do que aparentam. Talvez tenha algo a ver com o sofrimento como agente purificador, tão presente no inconsciente coletivo desta América católica.
Claro que estou exagerando. Mas de qualquer forma: eu fora! Dispenso o céu por um prazerzinho qualquer. E adoro ter a disposição todo o conforto que me for possível – não confundir com luxo - mesmo que nem desfrute de todos. E podem me chamar de bicho-urbano ou guri-de-apartamento. Sou mesmo!
Mas para quem, mesmo assim, curte acampar, podem contar comigo: torcerei imensamente para que, ao menos, não chova.

Um comentário:

  1. haha me identifiquei tanto com a descrição de "bicho-urbano"! eu até gosto de natureza, quando tem água, mas depois de umas poucas horas, eu ja me canso e quero de volta fogão, geladeira, cama, tv, internet, chuveiro e som.

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