terça-feira, 14 de setembro de 2010


Tortura - óleo s/eucatex - 40 x 30

Fico perplexo quando algum conhecido viaja para o exterior e volta deitando falação a respeito do país visitado. Claro, refiro-me àquelas pessoas que, em tom quase professoral, fazem relatos como se a breve incursão fosse suficiente para que dominassem a história, as relações sociais, de poder, de dominação, enfim, as peculiaridades que conformam e fazem aquele país ser o que é. Mas, é claro, as pessoas não o fazem por mal. Elas acreditam que seus parcos dados sejam suficientes. Mesmo assim, fico com vontade de pular fora na primeira oportunidade.
Ora, essas mesmas pessoas via de regra mal conseguem ultrapassar o senso comum a respeito do local onde vivem e se acham capacitadas e instrumentalizadas para explicar o que se passa em outros países.
Por que estou falando tudo isso? Por uma razão muito singela: até mesmo esse tipo de pessoa sabe que estamos em meio a um processo eleitoral, embora nem sempre tenha claro o que está em jogo, que forças políticas, econômicas e sociais estão por trás desta ou daquela candidatura, que visões de mundo as explicam e patatí, patatá.

A questão é que já recebi um sem número de e-mails “acusando” a candidata Dilma Rousseff pelo seu passado de luta contra a ditadura militar. Acreditem, isto está sendo usado com peça desabonatória. Mais ainda, com alguma repercussão negativa para ela, ou seja, há quem veja nisso uma razão para não votar nela. Ora, qualquer um que habite este país deveria saber, no mínimo, que houve uma ditadura militar que durante vinte anos submeteu o país às trevas, torturando, assassinando, caçando direitos políticos, enfim, fechando todos os canais de interlocução não só da sociedade para com o Estado mas com ela própria. Pois foi neste ambiente que pessoas – enquanto a maioria alienadamente esfregava suas gordas bundas no sofá comprado no crediário, na esteira do “milagre brasileiro” – resolveram abrir mão de suas vidas ao decidirem entrar para a clandestinidade para enfrentar os sanguinários coturnos e todo o seu gigantesco e sem limites aparato repressivo. E, pior, maioria esta que, além de sequer saber o que se passava, vez ou outra até delatava os que se atiravam de peito aberto contra os regimes discricionários. Nem se trata de discutir se foi ou não a opção adequada ao momento – embora opções fossem praticamente inexistentes -, mas sim de louvar o ato de entrega de si pela maioria.
Mas a despeito deste desconhecimento e/ou falta de memória histórica, essas pessoas lutadoras existiram não só no Brasil, como na Argentina, no Uruguai, no Chile, enfim, em praticamente toda a América Latina que, à época, era banhada pelo verde-oliva que transformava opositores (ou quem achavam que fosse) em vermelho-sangue.
É justamente por isso que me causa estranheza quando estes idealistas que conseguiram sobreviver à tortura, a uma vida miseravelmente clandestina são condenados por parte da opinião pública a despeito de terem se doado por ideais coletivos e tendo enfrentado todos aqueles canalhas armados que vicejaram como inço naquele período.
Ah, mas houve assaltos a bancos! Ora, essas ações não eram voltadas ao enriquecimento pessoal, mas sim como fonte de financiamento das atividades que julgavam necessárias à libertação do país. Se a estratégia era certa, ou não, é outra história. Agora, convenhamos, alguém está com peninha dos bancos!? Poupem-me disso!
De qualquer forma, é justamente este desprendimento que me encantou (e segue como tal) durante minha juventude, razão pela qual serei eternamente grato aos que lutaram contra todos os regimes autoritários da época. Foram, são e sempre serão meus heróis. Aliás, acho que a humanidade tem uma dívida histórica para com todos eles que, mundo afora, lutaram contra forças militares que investiram barbaramente sobre seus próprios povos.
Agora, tem uma coisa: nem todos os que lutaram continuam na mesma trincheira. Obviamente há os que mudaram de lado e hoje defendem o capital. Destes posso até discordar no que se refere às suas posições atuais, o que não apaga os méritos de outrora. Querem um exemplo? Fernando Gabeira. Ele sofreu todas as agruras possíveis, comuns aos que ousaram heroicamente enfrentar ditadores, e hoje apóia a candidatura Serra que, como sabemos, está intimamente ligada ao histórico jeito de governar de nossas elites. Isto apaga seus méritos passados? Acho que não, embora discorde completamente de suas posições atuais.

Portanto, não passem o ridículo de enviarem-me e-mails utilizando esta linha de argumentação, pois jamais deixarei de votar em alguém por ter sido um lutador contra a ditadura militar. Ao contrário, este é um ponto positivo, embora não suficiente.
E é por isso que faço esta brevíssima recuperação histórica pois, ao que parece, há quem não conheça o país que habita e, por isso mesmo, são poucos exigentes quanto aos argumentos para votar ou deixar de votar neste ou naquele. Mas acham que podem compreender, conhecer e explicar outros países onde passaram suas férias.

E como imagens muitas vezes são mais eloqüentes do que palavras, preparei uma listinha com alguns filmes que retratam estes períodos de ditaduras militares no cone sul:

Brasil:
- Pra frente, Brasil –
- Lamarca –
- Batismo de sangue –
- Zuzu Angel –
- Araguaya – Conspiração do silêncio –
- Cabra marcado para morrer –
- Jango (o filme) –
- O que é isso, companheiro? –

Chile:
- Missing – Desaparecido, um grande mistério
- Chove sobre Santiago

Uruguai
- Estado de sítio

El Salvador:
- Salvador: martírio de um povo
- Vocês inocentes

- Z (Grécia)

Argentina:
- La historia oficial
- Las madres de la Plaza de Mayo
- Los pasos perdidos
- La noche de los lápices


Um comentário:

  1. Permita-me apenas um acréscimo: Em teu nome.
    Como filme (embora o começo seja sofrível) e como documento histórico.
    No mais: plac, plac, plac.

    ResponderExcluir