segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tráfico e consumo de drogas implicam necessariamente em violência?

Óleo sobre tela

Era uma vez um reino no qual uma côrte imperava a séculos e mais séculos e mais séculos. Entretanto, nem sempre fôra assim. Antes dela, pessoas desfrutavam livremente destas terras. Mas após a côrte por aqui aportar tudo ficou diferente: a prática da subjugação e a conseqüente dominação para que se viabilizasse a exploração virou método para administrar o reino. Pois foi precisamente este método que ficou inculcado no imaginário das côrtes que sucederam a predecessora. E como eufemismos sempre foram uma poderosa arma retórica de dominadores, com o tempo o termo côrtes passou a ser substituído por elites. De qualquer forma, a côrte/elite passou a permitir a existência de uma sub-côrte - com pouco poder mas com um nível de vida agradável e, sobretudo, com rara possibilidade de ascensão social. Mas o medo da mobilidade para baixo na escala social a manteve fiel à côrte imperial. Com o passar do tempo surgiram sub-sub-côrtes, as quais foram proliferando o que, até certo ponto, era bastante lucrativo às camadas "superiores" da sociedade à medida em que o modo de produção escravista foi sendo substituído pelo capitalista. Entretanto a mentalidade escravista da côrte/elite permaneceu intacto. Poucas décadas antes do final do século XX, parte dessas sub-sub-côrtes transformaram-se em sub-sub-sub-côrtes. Uma parcela deste extrato passou a comercializar pílulas de felicidade - que haviam sido tornadas ilegais no início do mesmo século - mas que todos os extratos deste pequeno mundo adoravam consumir. Todavia, mesmo assim esses vendedores não conseguiam ascender socialmente e tornaram-se cada vez mais violentos. Mas porque raios tinha que ser assim? Em outros reinos onde também havia côrtes - mas não sub-sub-sub-côrtes - os tais vendedores de pílulas também existiam mas a violência não imperava, ao menos não com tal virulência? Aliás, em muitos destes reinos boa parte das pílulas podiam ser consumidas livremente, o que reduzia as possibilidades de lucro de seus comerciantes. Mas independentemente de parte das pílulas serem ou não ilegais, naqueles reinos a convivência social jamais tornou-se tão violenta como por estas bandas. De qualquer forma, por aqui, a situação encaminhava-se para um impasse: os sub-sub-sub/traficantes já não mais respeitavam nem seus comuns e muito menos os sub-sub, os sub e, tampouco, a côrte propriamente dita. Mais do que isso, passaram a os odiar e, assim, a atacá-los frontal e desafiadoramente. Foi neste momento que a côrte imperial passou a intervir em suas atividades, ao que a parte dos sub-sub-sub envolvida com o comércio das pílulas revidaram. Instalou-se um aparente caos ou, dito de outra forma, o cenário de sua ocorrência transbordou às áreas por onde os sub-sub e os sub transitavam. Com a transparência do horror, a sociedade passou a exigir medidas enérgicas, as quais efetivamente foram tomadas. Assim, toneladas de bolinhas de papel e rolos de fitas adesivas (armas genuínamente brasileiras com alto poder de fogo) foram despejadas sobre os sub-sub-sub, intimidando-os, como a sociedade exigiu.


E justamente neste contexto muitos palpiteiros passaram a emitir suas opiniões, muitas vêzes carentes de maior profundidade: uns achando necessário a aniquilação completa dos vendedores; outros a dos consumidores; outros tantos a dos dois ou, ainda, de todos os sub-sub-sub, etc. etc. Porém, entre todas, causou-me espécie a ausência de um exercício sempre salutar quando se quer realmente entender os processos em sua integralidade: o estudo comparativo. Considerando que o consumo de tais pílulas da felicidade é uma atividade comum a todos os cantos desse nosso maltratado planeta desde quando não eram ilegais, porque em alguns reinos a situação transforma-se neste caos e em outros não? E, de outro, nos últimos tempos pílulas mais sofisticadas passaram a ser comercializadas não mais pelos sub-sub-sub, mas pelos sub-sub e, não raro, pelos próprios sub. Porém, nestes casos, a violência não assume as proporções do que ocorre nas áreas de atuações dos sub-sub-sub. Porque será? A resposta é tão singela quanto parece ser misteriosa aos palpiteiros: os sub-sub-sub são sub-produtos maltratados e frutificam em áreas onde a exclusão social e todos os efeitos dela decorrentes são desanimadores, ainda que apenas uma pequena parte dos excluídos se tornem violentos criminosos.

Trocando em miúdos: alguém acredita que o tráfico de drogas não existe na Alemanha, Espanha, Noruega, Canadá e outros tantos países socialmente menos desequilibrados? Mas no Brasil, no México e na Colômbia, por exemplo, o panorama de violência é tão semelhante entre si quanto diametralmente oposto ao que ocorre na Europa. Porque será? A resposta está no exame da raíz do problema. Porém, para chegar até aí é preciso olhar não apenas o que é aparente, o que está na superfície pois, como sabemos todos, as raízes ficam abaixo da nossa possibilidade de visão imediata. E nem sempre parte das sociedades dos reinos está disposta a vê-las pois, de seu exame, poderão surgir verdades inconvenientes.

4 comentários:

  1. Pois é...
    Mas Carlet, quero mesmo é parabenizar pela maravilhosa tela...
    Parabéns...
    Nela há o que considero mais complexo: luz...

    Linda, muito linda...

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  2. Pra ler tuas postagens,tem que ter tempo.Teus textos são ótimos.Vc escreve muito bem,e não é bajulação pq vc esteve no meu e deixou um comentário que eu gostei muito no texto amigo.Vc,é realmente, bom no que faz.
    Vou te lendo aos poucos,e comentando tuas postagens.
    Pena eu não seu um morcego,senão trocaria a noite para ler melhor...rsrs
    Obrigada, ótima semana e to no su rastro,Carlet

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  3. Caro Carlet, continuando na superficialidade da coisa, será que quanto mais sub-côrte mais a educação nessa situação torna-se utópica? Então eu diria que educação e dinheiro não são coisas iguais, porém, a cultura lhe dá caminhos de entendimento de sua situação e por que não pequenas soluções de sobrevivência a contento (me incluo nessa). Aí a droga torna-se realmente uma opção controlada, ou descontrolada para alguns que não mais conseguem domar o cavalo selvagem das suas frustrações. Ótimo texto!!! Beijo

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  4. Cara, é impressionante como vc descreveu o q eu tbém e muito mais pessoas pensam sobre o assunto, em q pese o massacre midiático glamurizando convenientemente os fatos e fugindo avidamente da busca pela verdade
    Ti.mauro

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