Quatro horas da madrugada. Um movimento tão brusco quanto inesperado acorda Paulão de seus picantes sonhos com a musa de sua longínqua adolescência: Helena Ramos.
- Bem!? Bem!? Behnhê!!! Acorda!
- Hã, o que foi?
- Me chama de "minha pandinha"?
- Como assim? Que papo é esse a essa hora?
- É, me chama de "minha pandinha"...
- Lucimaura, são quatro horas da madrugada. Porque isso agora?
- É que nós já estamos casados há sete anos...
- E daí?
- Daí que não temos nenhum apelido secreto.
- Mas isso é hora, Lu-ci-mau-ra!!, responde Paulão, provocativamente acentuando a terceira sílaba.
- Não me chama assim que eu não gosto!
- Tá bem, eu te chamo do que tu quiser, mas me deixa dormir.
- Não! Acorda, Paulão!
- Pô, não dá para ver isso amanhã?
- Não, tem que ser agora!
- Se eu disser, tu me deixa dormir?
- Não, tem que soar verdadeiro, íntimo. Além disso tem que ser algo em que tu me reconheça, enfim, uma secreta referência para me chamar para o resto de nossas vidas em nossa intimidade.
- Mas é tão urgente assim? E para o resto de nossas vidas? Agora, no meio da noite? E além disso, tu já escolheu!?
- Não te faz, Paulão! Diz, diz, diz...
- Tá bom! Me deixa dormir, minha pandinha?
- Não!
- Mas não era isso o que tu queria?
- Tu continua te fazendo de desentendido! Nós precisamos entrar num acordo. Todos os casais fazem isso.
- Mas as quatro da manhã?
- E por acaso tem hora para isso?
- Tu esperou sete anos e agora tem que ser agora? Vai, me deixa dormir, minha pandinha.
- Assim não, tá soando falso!
- Ah, meu deus!
- Sem essa de "ah, meu deus". Tu só tá falando para poder voltar a dormir. A prova disso é que nem perguntou do que vai querer que eu te chame.
- Pelo meu nome tá bom: Paulão.
- Não, temos que achar um apelido pra ti também. Que tal peposo?
- Enlouqueceu? Imagina tu ligando para o meu trabalho perguntando pelo peposo?
- Eu não faria isso. Para os teus amigos sempre te chamarei de Paulão, no máximo Paulãozinho.
- Pois é, mas tu nunca ouviu falar em ato-falho? Basta tu te enganar uma só vez para me ferrar para todo o sempre, amém! Quem sabe gladiador ou exterminador?
- Benzinho, tem que ser algo carinhoso, no diminutivo.
- Sei, tu quer algo meio tatibitati, né? Só para me desmoralizar...
- Como é que tu pode dizer uma coisa dessas, Paulão?
- Sei lá, vai ver que tu tá na crise dos sete anos...
- Paulão, casamentos entram em crise aos sete anos; não esposas.
- Mas comigo está tudo certo; quem está reclamando é tu!
- Eu não estou reclamando. Só quero um apelidinho bonitinho, carinhosinho, que seja uma síntese do nosso amorzinho.
- Ah, já entendi!, diz Paulão - tirando a velha camiseta do Inter que usa para dormir desde o campeonato brasileiro invicto de 1979 - tentando, a seu modo, demonstrar sua síntese do seu amor por Lucimaura.
- Pára, Paulão! Tira a mão daí! Estou falando sério! Tu acha que isso sempre resolve tudo...
- Ah, minha pandinha, tu bem sabe que os pandas estão em extinção. Então...
- Paulão, eu odeio quando tu me trata assim...
- Deixa disso, minha pandinha...chega pra cá...
- Tudo bem, Paulão. Amanhã vou trocar meu guarda-roupa inteirinho com teu cartão de crédito!
- Ok, você venceu! Agora vem cá com teu exterminador.
- Não vou e não quero mais saber dessa história.
- Deixa disso, minha peposinha.
- Tá vendo, Paulão. Tu nunca me leva a sério.
- Mas o que foi que eu fiz agora?
- Me chamou de peposinha.
- Não era o que tu queria?
- Tudo bem, Paulão, vá dormir. Mas não esqueça de deixar o cartão de crédito em cima da mesa. Vou aproveitar e comprar alguns pares de sapatos também.
- Não, agora sou eu que não quero dormir!
- Não te faz, Paulão!
- Como não!? Se quero fazer amor contigo tu diz que isso não é jeito de resolver as coisas. Mas gastar com roupas e sapatos é?
- Você não entende nada de mulheres mesmo! (sinal de perigo: Lucimaura só troca o tu por você quando está extremamente irritada).
Paulão lê bem o sinal, mas não resiste a tentação de ter a última palavra:
- Será que é por isso que escolhi casar contigo, Lu-ci-mau-ra?
- Pro sofá! Pro sofá! Seu filho da mãe! Miserável!