terça-feira, 4 de agosto de 2009

Histórias Curtas VIII - Como nunca...

Nas madrugadas poucas luzes brilham além das que sempre estão acesas pela cidade.
Naquele momento, sem destino certo, caminhando por aquela rua pouco recomendada trocava de cor a cada piscada dos neons. Como as cores, também seu pensamento variava a cada instante. Por que uma festa em Cabul não lhe saía da cabeça ? Aquelas pessoas dançando separadas e balançando os braços de forma esquisita... Bom, se me pareceu estranho pelo menos sei que não sou de lá, pensou. Voltaria para casa naquele instante se soubesse o endereço. Olhou as horas em seu pulso, no relógio de ouro ganho da empresa em que trabalhara por mais de trinta anos. Estranho, ele estava no braço direito. Definitivamente algo não estava bem. Lembrou-se de olhar seus documentos no bolso de trás da calça. Estavam lá. De posse de seu nome, teve uma idéia. Numa lista telefônica deveria achar seu endereço. Após mais de uma hora vasculhando todos os orelhões que se encontravam em seu horizonte, nada de lista. Não se dera por conta de que atualmente não existem mais listas telefônicas nos orelhões. Antigamente tinha. Mas a noção de tempo era algo que também havia perdido. Quem sabe algum policial pode me ajudar, disse de si para si. Mas onde encontrá-los ? Parecia ser a única pessoa viva naquela cidade. E as horas passando lentamente. Ruas mal iluminadas e a lua escondida em meio àquele caótico emaranhado de edifícios acinzentados. E aquele mar de neons coloridos a perseguí-lo. Tudo parecia deixá-lo cada vez mais confuso. E aquela maldita música afegã - algo parecido com uma fanfarra cigana dos Balcãns misturada com vocais árabes - ecoando cada vez mais alto em seu pobre cérebro. Teria usado ácido, pensou ? O pânico começou a tomar conta. Nem mesmo a revelação de seu nome pelos documentos o tranquilizava. Mesmo com a foto a comprovar, não associava o nome a si. O pavor tomou conta ao lembrar de um e-mail que havia recebido poucos dias antes: "será que me drogaram e retiraram meus rins ?" Imediatamente colocou uma mão às costas. Não havia sinal de incisão alguma. Respirou aliviado.
Enquanto isso, aos poucos pequenos filetes dourados transacionavam com a lua o amanhecer que chegava lentamente. Repentinamente os raios de sol venceram a batalha e tomaram conta do ambiente despertando-o da turbulenta noite. Graças a Deus era só um pesadelo, suspirou. Secou o suor da testa com a manga esquerda do pijama e, ato contínuo, buscou as horas no relógio de pulso do mesmo braço, como sempre fazia. Não estava lá. Estava no pulso direito. Como nunca...como nunca !

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